Tipos de Saci?

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Saci Sererê, por Marcelo Bicalho

Por Andriolli Costa

Aquele que procura por “Saci” como palavra-chave nos mecanismos de busca não tarda a encontrar curiosas listas com “tipos” ou espécies diferentes para o mesmo mito. O inventário é curioso, uma vez que muita gente só ouviu falar no mais famoso de todos, o Pererê. Mas será que essas informações são procedentes?

Mais uma vez cabe o alerta: não existe certo e errado no folclore. Ninguém que possui uma crença viva em uma manifestação do imaginário popular pode ser corrigida. Mas o que temos na internet não são os relatos em si, mas leituras feitas por terceiros. E essas leituras sim, muitas vezes, podem ser errôneas. E seu compartilhamento apenas colabora para divulgar o erro tomando-o por folclore.

Fato é que a imensa maioria de registros de tipos de saci vem da leitura do livro básico da “saciologia”: Saci Pererê – Resultado de um Inquérito, organizado por Monteiro Lobato em 1917 e publicado no ano seguinte. Na obra, mais de 70 depoimentos compartilham narrativas sobre saci das mais diferentes. Há sacis com orelhas de macaco, com chifres de bode e rabo de cachorro. Há outros com fogo nos olhos, com mãos de pilão ou corpo coberto de fubá.

Ainda assim, mesmo tendo praticamente um saci diferente em cada narrativa, os nomes apresentados não trazem tanta variação. Fala-se em Saci Ceperé, Saci Cererê, Saci Trique, Saci Siriri, Saci Serumpererê, Saci Perereca, Saci Saterê, Saci Mofera, Saci Saperê, Saci Saderê, Saci Patarê e Saci Sia-Teresa. Alguns com meramente uma linha de descrição.

Tendo este texto por base, comecei a identificar alguns problemas, especialmente com esta lista publicada originalmente no Assombrado.com.br , um site super bem colocado no Google quando se fala de saci. Por conta disso, essa informação dos tipos de saci já saiu em tudo quanto é lugar, inclusive em jornais. Acontece que ela é fruto de um grave erro de interpretação. Compartilho-a abaixo:

Outros tipos de sacis:

Saci do Poá: Sai fogo pelos olhos

Saci Teterê: é um saci tentador de moças, parecido com o Poá, só que mais alto. Anda sempre petecando uma brasa de uma mão para outra. Anda nu, tem barbicha de cabrito, beiço vermelho e trás a língua de fora (como conquista as mulheres com essa descrição eu não sei hahauhaua)

Saci-Taterê: Tem cara de Pia, usa camisa, tem cor de formiga e não tem espora.

Saci Sacerê: comum em Minas Gerais. Usa calça de algodão e entra na água sem se molhar

Atentem-se primeiramente para o “saci do poá”, capaz de soltar fogo pelos olhos. De onde veio isso? Veio também do Inquérito lobatiano, fruto de uma leitura mal feita. Em um dos depoimentos, que copio abaixo, o depoente escreve que o boiadeiro que consultou, Nhâ Vado, “não concorda com o saci do poá”, e que o verdadeiro saci, para ele, bota fogo pelos olhos. Diz assim:

O senhor João B. de Andrade consulta um velho boiadeiro, Nhô Vadô Rodrigues, e manda a versão do caboclo em dialeto: traduzimo-la para mais fácil leitura. O senhor Vadô não concorda com o Saci do Poá. Não está certo. O Saci bota fogo pelos olhos, como a Mula sem cabeça bota fumaça pelas ventas. Já viu rasto do moleque: é que nem rasto de antinha nova, tem três casquinhos. A cuinha que ele traz na cabeça é pintada de urucu e alumia; o resto do corpo é tiziu de uma vez. Há um Saci caseiro, tentador das moças, chamado Taterê; quase igualzinho ao outro, é, porém, maior, e mais varado, e anda sempre petequeando uma brasa que cai pelo furo du’a mão n’outra. Anda nu, tem barbica de cabrito desmamado, beiço vermelho e traz a língua de fora. O Taterê tem cara de piá, usa camisa, tem cor de formiga e não tem espora.

O que é o saci do poá? Basta ler o livro do início para entender: o Inquérito sobre o saci capitaneado por Lobato foi motivado pela publicação da foto de uma escultura de saci modelada por seu colega de redação. Manequinho Lopes com “barro do Poá”. Seria um tipo de barro, como já vi por aí? Nada disso, é um qualificativo da região de onde veio o barro: Poá, na região metropolitana de São Paulo. Junto à escultura, Lopes o descrevia assim:

“Preto, nariz de socó, língua de palmo, barriga de maleiteiro, umbigo de chorão, uma perna só, rasto de criança, espora de galo velho (…). Quando trepa em barranco, deixa três riscos, sinal de que tem três dedos. Mão furada, orelha de morcego, carapuça vermelha de cuia, com barbicacho de sedenho. Acompanha os cavaleiros em viagem por dentro do mato arrancando cipós. Quando vê gente, assobia, Poe a língua e curisca. Deita fumaça pelos olhos”

Estátua

O “Saci do Poá”, feito de barro do Poá por Manequinho Lopes

O que acontece é que Nhô Vado discorda da descrição do saci de Manequinho, apresentada junta a sua escultura de barro. São sacis diferentes, certamente, mas não há um nome próprio para distingui-los.

Outra confusão é a distinção entre o Taterê e o Teterê. Ela não existe. O mesmo Tatarê tentador de moças tem cor de formiga e cara de piá. A menção à espora é também por conta de Manequinho, que fez seu saci com um esporão de galo no pé com o qual o duende podia se prender melhor no corpo dos cavalos.

O mais triste é que a informação contida no Assombrado sobre os tipos de sacis foi replicada do livro Brasil no Folclore, escrito por José Ribeiro em 1970. Cuidado: papel aceita tudo. Não basta ter sido publicado para ter credibilidade. É para isso que existe a curadoria séria.

5 Respostas para “Tipos de Saci?

    • Há sim! Eu levantei pelo menos uns 15 só no livro do Inquerito do Lobato. Espero organizar isso direito numa postagem ainda. Os companheiros da SoSaci dizem, para manter o número, que há 77 tipos diferentes

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  1. Pingback: O saci e Monteiro Lobato - randomicidades·

  2. Olá Andriolli, muitas referências quase acham sobre o saci apontam a origem da lenda como indígena (tupi). Se isso estiver correto, por que ele é representado (ao menos na maioria das figurações) como preto?
    Se tiver mais indicações bibliográficas (além de Lobato) agradeço.
    Abraço

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