[Resenha] Todo Pererê vol. 1 e 2

a1Da mesma forma que admito só ter lido (e devorado) Monteiro Lobato e seu Sítio do Picapau Amarelo aos 18 anos de idade, é com certa vergonha que digo que só agora, aos 26, fui ler um quadrinho escrito pelo Ziraldo. A fama do cartunista já faz parte da senso-comunização do brasileiro, e é evidente que tenho alguma memória de ler o Bicho da Maça e algumas outras tirinhas suas no colégio. É igualmente fácil reconhecer a arte de Ziraldo no traço do Menino Maluquinho e na icônica figura que virou seu Saci, mas nunca antes eu havia buscado sistematicamente ler suas obras. É um material tão extenso… por onde começar?

Tive a sorte de encontrar num sebo os dois primeiros volumes de Todo Pererê, coletânea lançada pela editora Salamandra em 2002. Neles, temos um apanhado de historietas publicadas com certo intervalo, entre 1959 e 1976. A revista me ganhou no prefácio de Ziraldo.

O Pererê decidiu que seria uma revista muito brasileira. Ela nasceu junto com o cinema novo, a poesia concreta, o teatro nas ruas, a poesia processo, a bossa nova. Este é um relançamento de todas as histórias do Pererê criadas no meio do século que acabou.

Ainda assim, precisei insistir um pouco para continuar a leitura. Há algumas piadas boas, de um humor que dificilmente envelhece. Uma em especial mostra o saci andando de carango novo, passando voando pelos amigos que pedem carona. O grupo o tem por um verdadeiro mascarado, que vira a cara para os outros agora que está por cima. Que nada! Era que faltava uma perna para o freio. Divertido, enxuto e bem pensado, mas poucas das histórias do primeiro volume me pareceram serem pérolas assim tão memoráveis.

a2O problema, aqui, talvez seja mais de edição do que de qualquer outra coisa. Apenas no volume 2, temos uma introdução aos personagens que compõe a Turma, bem como suas características. Simplesmente pela seleção de histórias feitas, jamais teria percebido que o tatu Pedro Vieira era o inventor do grupo. Também foi crucial o papel do editor em lembrar que os animais que compõe a turma são personagens famosos das narrativas tradicionais do folclore indígena: o macaco, o tatu, o jabuti, a onça… Todos estão presentes, batizados com as personalidades e nomes dos amigos de infância de Ziraldo. Saber disso antes serviria de chave para uma leitura muito mais prazerosa do volume 1.

Passei a gostar mais da Turma do Pererê com o segundo volume, e nele pude apreciar melhor o grupo todo, não apenas o saci. Gosto especialmente da escolha da namorada do perneta. Quem poderia ser tão icônica a ponto de namorar com o Pererê? A decisão, para a época, não podia ser outra que não a Bonequinha de Piche, de pele preta feito jabuticaba.

Lembrava vagamente de minha vó me contando uma história assim quando eu era pequeno: havia um macaco, muito safado, que estava sempre a comer as bananas de um fazendeiro. Um dia, cansado das traquinagens do bicho, ele mandou fazer uma boneca de piche e deixou ali, plantada na frente do bananal. O macaco, enfezado com aquela figura quieta que nem se dignava a lhe responder, resolveu plantar-lhe a mão na cara. Pronto. Ficou preso. Não bastasse a triste figura, ficou ainda mais irritado e tratou de bater ainda mais na boneca com a outra mão, depois com os pés, e finalmente estava todo preso na armadilha do fazendeiro. A história é tão clássica que virou até música, interpretada por Carmen Miranda – que volta e meia é citada nas histórias para cortejar a dama de betume.

Todo Pererê é um compilado interessante, e um bom começo para as histórias de Ziraldo. Particularmente, não achei nada muito genial, e acostumado que estava com Monteiro Lobato, esperava mais referências à brasilidade antropofágica. Ainda assim, mesmo não correspondendo as expectativas, é uma leitura bastante indicada que poderia ganhar muito com uma edição mais caprichada.

Nota 3/5

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