Andriolli Costa
Recebi no início deste mês de outubro meu exemplar de Mapinguari, HQ roteirizada e ilustrada por Rodrigo Otaguro que apoiei no Catarse. Tenho por prerrogativa, na medida do possível, colaborar com todos os projetos envolvendo a temática folclórica nas redes. É minha forma de manifestar concretamente meu apoio para que cada vez mais obras surjam por aqui abordando mitos e lendas das mais variadas formas. E foi nesse espírito que apoiei, mas lembrava que alguma coisa já na divulgação do projeto não me agradou.
Recuperei meu comentário no Facebook e entendi minha bronca. Era com a tentativa de sinopse da obra, ainda disponível no Catarse:
Às margens de um rio, aparece um homem branco que fora atacado por Mapinguari. Os índios que moram ali veem a criatura como um ser maligno que quer matar a todos. O Mapinguari é uma lenda do folclore brasileiro que é conhecida por atacar humanos e comer-lhes a cabeça! Em meio ao terror na tribo, uma das guerreiras chamada Kaná, motivada por vingança pela morte de seu pai, se manifesta para derrotar a criatura, mas acontece uma situação com a tribo que compromete sua existência. Com isso a busca de Kaná por vingança e pelo Mapinguari, se misturam com algumas revelações místicas que mostram seu verdadeiro destino.
O texto me pareceu de início inadequado para uma sinopse. Era mais um resumo impreciso dos acontecimentos. Mais do que isso, a própria escrita não tem fluência ou apuro. Ainda assim, poderia ser apenas coisa do projeto. Desgostando do texto, fiz votos para que a obra fosse melhor acabada.
Esse para mim é o grande problema de Mapinguari: o acabamento. Olhando apenas a história, de maneira geral, é um trabalho bacana. Previsível, mas coerente, com um começo, meio e fim aceitável. A narrativa gráfica é dinâmica, com transições de movimento bem feitas. O próprio monstro que dá título a história é interessante: tem os pés redondos, um ponto fraco no umbigo e só ataca de dia, como várias descrições corroboram. Mas uma série de pequenos detalhes me incomodou.
O primeiro deles é em relação ao texto. Para começar, vários erros de revisão – especialmente de vírgula e colocação pronominal – impediram a leitura de fluir como deveria. Fluência, inclusive, é uma carência grande. Os diálogos não tem nenhuma naturalidade, os personagens assumem um empolamento de texto clássico que é incompatível com o contexto indígena onde se encontram. Há tão pouca ligação com a terra e com o povo que os momentos em que o roteiro tenta trazer ensinamentos de sabedoria poderiam facilmente compor uma cena de Rei Leão ou de um drama oriental.
A universalidade comunica, mas é na particularidade que o folclore traz o reconhecimento e a identidade. Faltou deixar aparecer mais nossa terra, nosso sotaque, nossos bichos e nossa experiência com o mundo. Enriqueceria muito obra.

Indígenas branqueados nas primeiras páginas (esq.) e nas demais (dir.)
Outros problemas identificáveis estão no âmbito da ilustração. Me causou grande estranhamento que até a página 10, mais ou menos, a paleta de cores gera um branqueamento desconcertante dos personagens indígenas. Depois, especialmente com a entrada da personagem Kaná, isso muda para melhor.

Os imóveis cabelos de Kaná
Falando na personagem, eu compreendo a opção do autor por não exibir os seios – mesmo que estilizados – de Kaná. No entanto, há diversas maneiras de trabalhar isso: de poses a jogos de corpo e angulações. Nada disso foi utilizado, o cabelo acabou fazendo as vezes de um sutiã, mantendo-se rigorosamente imóvel em todas as cenas de movimento.

Estética de pouco detalhamento. Funciona bem no quadro da esquerda, mas achata demais no da direita.
Entendo também que a estética do quadrinho é mais cartunesca do que realista. Ainda assim, há cenas onde a anatomia dos personagens muda tão radicalmente que me causou mais um incômodo. Homens adultos parecem crianças, cabeças são alongadas demais, enfim… A opção pelos poucos detalhes em algumas cenas é comum nos quadrinhos, mas problemas de proporção fizeram alguns quadros funcionarem menos que outros.
Mapinguari não é uma revista ruim, mas teria muito a ganhar a partir do trabalho de um bom editor.