Por Andriolli Costa
Em viagem pelo interior de Minas Gerais, o biólogo Elidiomar Ribeiro da Silva se deparou com a carcaça de um cachorro, bastante lanudo, fincada em uma cerca de arame. Curioso, questionou um morador local sobre o fato, que retrucou: não era cachorro, era bicho. Era lobisomem. Afinal, onde já se viu ver um cachorro daqueles pela região?
Elidiomar, que é professor do departamento de Zoologia da Unirio, levou a inquietação para sala de aula. Para ele, o lobisomem fincado na cerca era certamente um cão doméstico vítima de abandono. Nessa situação, o animal se torna feral, transmite doenças à fauna selvagem, se organiza em bandos.
Pensando nos ganchos que mitos, lendas e superstições enraizadas no folclore brasileiro poderiam trazer para discussões de problemas ligados à zoologia cultural – e seus desmembramentos, o professor propôs um raciocínio semelhante como trabalho final de sua disciplina.
O resultado foi condensado em uma mostra virtual de pôsteres divulgados no Facebook em dezembro de 2017. A maioria acabou trabalhando mais na linha da metáfora, mas é uma proposta que vale pela inovação.
A aluna Anna Célia de Souza, por exemplo, trabalhou com “a mula sem cabeça e a exploração de equinos em carroças”, e sugere que aquele que merecia verdadeiro castigo não é a mulher, mas o carroceiro que explora a mula e a escraviza até a morte. Mariana Menezes também escolheu a mula, mas como metáfora para a cabeça como troféu na caça de animais silvestres. Já Nicolas Pena investe numa ligação entre a corrida desembestada da mula e o atropelamento de animais noturnos.
Wendell Lima traça as ligações entre o mito da iara e o peixe-boi, animal pertencente ao gênero sirenia – não por acaso, ligado as sirenes, de onde se derivou o mito das sereias. Renata Vieira com boitatá e os gases que geram o fenômeno do fogo-fátuo. Também em relação ao mito das águas, o aluno Fábio Rosa trabalhou com o mito do boto e sua influência na caça ilegal. Ele até arrisca uma explicação para o imaginário da transformação do animal: seria fruto do apodrecimento das carcaças de boto na beira dos rios, deformadas pelos gazes da decomposição.
No universo das matas, Luciene de Paula investiga a relação do curupira com a prevenção da caça ilegal; Lucas Oliveira trabalha com mapinguari e preguiça gigante, uma relação clássica já estimulada pela criptozoologia. Por fim, Raphaela Silva não trabalha com um mito, mas com uma superstição muito conhecida: urina de sapo cega? Eu mesmo tinha tanto medo que fugia de sapo sempre que via para não perder a visão!
Uma pequena amostra de como o folclore brasileiro é fonte riquíssima de inspiração para reflexões das mais distintas!