[Entrevista] Saci pinta e borda na orquestra de Clarice Assad

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Por Andriolli Costa

Folclore e música erudita podem, a primeira vista, parecer uma combinação inusitada. No entanto, desde as primeiras décadas de 1900, Heitor Villa-Lobos já mostrava que os dois elementos eram, na verdade, velhos conhecidos. O compositor passou oito anos em peregrinação pelo Brasil, recolhendo temas folclóricos que mais tarde serviriam de inspiração para sua música. O esforço resultou, entre outros trabalhos, na série mundialmente conhecida de Bachianas – composições que buscavam mostrar as aproximações entre nosso folclore musical e a obra de J. S. Bach.

De lá para cá, muita água passou pela ponte e a cultura popular tem servido de inspiração também para outros compositores que traduzem em acordes a riqueza de nosso folclore. É o caso da carioca Clarice Assad, compositora de O Saci Pererê – Concerto para violão e orquestra de câmara que estreou em 14 de janeiro deste ano, no San Francisco Conservatory.

Nesta entrevista exclusiva para o Colecionador de Sacis, Clarice afirma que sua inspiração não foi Villa ou qualquer outro artista, mas as próprias histórias de saci que lia e ouvia de sua mãe. Em cada trecho do concerto os elementos na música colaboram para dar vida a diferentes versões da lenda do diabrete brasileiros, que brinca, pula, pinta e borda na notas da composição. Até mesmo um pedaço de borracha foi incorporado na música para lembrar o som do saci pulando em um redemoinho.

Ela explica: No primeiro movimento temos um saci brincalhão, como aquele que azucrinava a cozinha de Tia Nastácia no Picapau Amarelo. Em seguida, temos um movimento melancólico, lembrando o Matinta Perê – pássaro conhecido no Norte como inspiração para a lenda do saci. Por fim, o saci se desfaz na fumaça, “surgindo em outro lugar como um Saci que não é assim tão bonzinho, que é como ele apareceu na história”.

Clarice atualmente vive em Nova York. No entanto, mesmo distante, defende o folclore brasileiro como marca de identidade:

Hoje os jovens adolescentes e crianças podem até saber quem é o Saci, mas não com profundidade, pois são cada vez mais inundados pela monopolização cultural Norte Americana. Temo que, com o passar do tempo, percamos o que há mais de rico no Brasil: a cultura popular.

Confira!

 

Colecionador de Sacis: Você conta que o primeiro contato com o saci foi na infância, e que por bastante tempo acreditava que ele fosse real. Como foi esse contato? Quem te falava sobre saci?
Clarice Assad: Conheci o Saci-Pererê pelos livros do Monteiro Lobato, apresentados pela minha mãe, Céila. Lembro-me vagamente da minha avó Ica contar histórias sobre Saci. Eu tinha muita vontade de ver o Saci, de prosear com ele e até aprontar alguma coisas juntos. Eu não achava que ele fosse capaz de fazer mal a ninguém, e que era apenas brincalhão. Adorava que ele era capaz de aparecer e desaparecer e que era rápido na corrida apesar de ter uma perna só.

Colecionador de Sacis: Você mora nos Estados Unidos agora. Viu algum saci por aí? Você contaria histórias de saci para seus filhos?
CA: Nos Estados Unidos não tem Saci ! … Com certeza contaria histórias sobre ele para meus filhos sim.

mOubIrEtColecionador de Sacis: De onde veio o desejo de compor a música Saci Pererê?
CA: Acho a mitologia Brasileira riquíssima e inspiradora. Tive um contato muito real com ela através da minha mãe e avó, como mencionei. Também cresci na era pré-internet, quando era mais fácil acessar estas estórias através de fontes mais humanas.

Hoje os jovens adolescentes e crianças podem até saber quem é o Saci, mas não com muita profundidade, pois são cada vez mais inundados pela monopolização cultural Norte Americana. Temo que, com o passar do tempo, percamos o que há mais de rico no Brasil: a cultura popular.

Colecionador de Sacis: Pode-se dizer que Villa Lobos foi a principal referência?
CA: Não… Para criar a peça, eu dialoguei muito mais com referências visuais do que musicais. A peça conta a história dos três lados diferentes da personalidade do Saci, e cada sessão da peça eu imaginava um cenário pelo qual ele passaria.

O primeiro movimento é uma exposição inteira dele, com todos os elementos a serem desenvolvidos na peça no segundo e terceiro Mas o primeiro explora o lado dele brincalhão. Imaginei-o planejando alguma malcriação, entrando na casa dos outros, na cozinha da Dona Benta, sumindo e reaparecendo, confundindo tudo e depois desaparecendo pela floresta.

O segundo movimento é sobre o Saci pássaro (Matinta Perê) que tem um canto lírico e melancólico. Ele se conecta com o terceiro, e a visualização do pássaro virando fumaça e surgindo em outro lugar como um Saci que não é assim tão bonzinho, que é como ele apareceu na história e depois com o tempo, sendo suavizado através das literaturas infantis.

 

clarice1Colecionador de Sacis: Notei um instrumento diferente na música. Ele é rodado, fazendo um som bastante característico, como se lembrasse um rodamoinho soprando. Poderia destacar alguns elementos na música que transmitem características típicas do saci?
CA: Não é um instrumento, apenas uma borracha de plástico, que pode ser comprada em qualquer loja de materiais de construção. Cortada em tubos menores, cria esse som que é um barato. É um som interessante pois nos remete ao som de um rodamoinho, por onde o Saci costuma a aparecer do nada – Então, neste começo da peça, surge o Saci da poeira através deste som.

Na metade do primeiro movimento, faço referência ao Saci planejando fazer alguma besteira, vindo de longe e pulando em uma perna só – Isto, quando os músicos batem com o pé e estalam os dedos e ouvimos um tema no fagote, que é um pouco engraçado.

Conheça mais sobre a obra da artista em www.clariceassad.com/

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