José Ezequiel Freire de Lima tinha 24 anos quando publicou, ainda no Rio de Janeiro, seu primeiro livro: Flores do Campo, em 1874. “O Saci” é um dos seus textos mais lembrados até hoje.
Conta a legenda que o sacy nascera dos amores de um sapo e de uma freira, teve um irmão mais velho – o lobis-homem – e casou-se ao depois com uma pisadeira.
Híbrido ser, biparte-se em dois entes de humanas formas e feição estranha; tostou-se outrora no brasido (sabem?) dos olhos lindos de uma linda entanha.
Foi desgraçado, muito. A mão furada e a dolorosa amputação de um pé deram- lhe jus às lágrimas do próximo como o alcunha lhe dão de Saterê.
Unípede e zarolho, o vagabundo mofa das Leis e zomba da Moral; ruim esposo, ruim filho, ruim católico, mau cidadão, mau guarda-nacional.
Ei-lo o assunto dos serões roceiros, o misterioso hóspede do lar; na pitoresca lenda das senzalas – o gênio mau da crença popular.
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Das noites sem luar nas horas mortas,
e é tudo escuridão pelas senzalas,
quando a lareira não tem mais gravetos
e só se ouve o resonar dos pretos;
Surge d’além das bandas da tapera,
cavalgando um corcel de taqurí,
o pavoroso espectro das madórnas,
o herói das sextas-feiras – o sací.
Traja quimão de baetilha escura
carapuça em funil – hirta e vermelha;
guarda na dextra as rédeas de tabúa
e aponta do cigarro atraz da orelha.
Entra de manso pelo vão das portas
e se aninha no bojo de um pilão;
espia o rosto dos cansados negros;
se ninguém vela, salta logo ao chão,
vai ao cinzeiro do borralho extinto;
sôa um leve rumor dai a pouco;
– é a cinza a cair como garôa
nos olhos do moleque dorminhoco…
No outro dia bem cedo o toque d’alva
chama a gente do eito p’r’o terreiro;
mas ninguém surge dos quietos fechos,
nenhum moleque quer sair primeiro
E do feitor ao retumbante berro
faz coro a exclamação de medo: ih, ih!
Opina um grupo: foi zumbí que veio;
responde um outro grupo: foi sací.
Leitor, se eu prego petas, se mentiroso sou, se verdadeiro; se é falsa a minha história, dirá a memória dos belos tempos do viver roceiro.