PORANDUBA 64 – Jesus no Folclore

Por Andriolli Costa

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Bem-vindos à nossa Poranduba, o podcast do Colecionador de Sacis sobre as histórias fantásticas do folclore brasileiro. E no programa de hoje partimos das controvérsias sobre a representação de Jesus na mídia para visitar as narrativas populares que fabulam sobre a vida de Cristo. Vamos encontrar uma figura nada sisuda, em histórias repletas de bençãos, maldições, violência e humor – sem perder de vista a moralidade da mensagem. Neste episódio, saiba por que é uma boa não deixar Jesus fazer angu, descubra por que o deus menino acabou mamando na teta de uma gambá e saiba como São Pedro acabou cuidando dos portões do Paraíso.

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Apresentação: Andriolli Costa
Edição: Leonardo Tremeschin
Vinheta de Abertura: 
Danilo Vieira Battistini, do podcast O Contador de Histórias.
Logo do podcast: 
Mauro Adriano Muller – Portfólio.

– Canto de abertura e encerramento do povo Ashaninka

  • Neste episódio você escuta Rolando Boldrin recitando Guimarães Rosa, Zeca Baleiro com Heavy Metal do Senhor, Rita Lee com O Bode e a Cabra, Bem-te-vi e Estrela da Poesia com A Macaca e o Ferreiro e Negritude Junior com Reza pra São Pedro.

Poranduba agora faz parte da rede Audiocosmo de Podcasts, do grupo Homo Literatus! Confira os outros programas da rede.

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Gambás para o presépio

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Roteiro:

Bem-vindos à nossa Poranduba, o podcast sobre as histórias fantásticas do folclore brasileiro. Eu sou Andriolli Costa o colecionador de sacis, e serei seu guia. E no programa de hoje nós vamos enveredar por um assunto espinhoso. Muitos Cristãos por aí parecem estar incomodados com representações de jesus que fogem da sisudez tradicional. Se extrapolarmos um componente homofóbico muito forte, parece que o humor é algo muito distante dessa figura. Será mesmo? Pois no folclore isso é muito diferente, e as histórias de contos populares envolvendo a sagrada família – e os apóstolos, são cheias de causos maravilhosos envolvendo bençãos, maldições, violência e, é claro, muito humor. E tudo isso sem deixar de lado uma forte função pedagógica na transmissão da moral do povo! Vamos lá?

O episódio da semana é trazido até vocês por Itaú Cultural, através de nossa parceria com a rede Homo Literaturas. O Itaú cultural está com uma série de podcasts próprios: o mekukradja, sobre vivências indígenas, o escritores-leitores, sobre literatura nacional, e o toca-brasil que, como não podia ser diferente é sobre música. É um material de primeira que você acessa em itaucultural.org.br/podcasts. Já escutou?

Bom, a primeira coisa que precisamos fazer para introduzir nosso assunto é estabelecer as relações entre folclore e religião – algo que eu fiz já em um dos nossos primeiros programas, o de número cinco, que trouxe a minha fala durante a mesa sobre folclore e orixás na Odisseia de Literatura Fantástica. E em resumo, podemos colocar assim: religião não é folclore, mas existe folclore na religião. Pensem da seguinte maneira: a religião, para além de uma forma de dialogar com o sagrado, é uma instituição. Então os seus ritos, dogmas, preceitos e, mobilizadores de fé, dizem respeito a um dispositivo institucionalizado que constitui aquele corpo. Isso tanto no caso de religiões que possuem um livro da lei quanto aquelas que são fundamentalmente orais. O folclore, por outro lado, passa ao largo das instituições. Persiste no dia a dia, nos costumes muitas vezes questionados pela instituição mediadora, naquilo que as pessoas nem sempre percebem que fazem.

O que eu quero dizer com isso? Primeiro que é importante reconhecer o status de religião de divindades indígenas ou de orixás de matriz africana. Isso é importante tendo em vista que por muito tempo essas religiões foram despidas do seu valor sagrado, enquanto o cristianismo permanece no estatuto intocável da hegemonia. Ele é criticado, é questionado, mas no lugar privilegiado que se encontra, sinceramente, não é isso que o abala.

Mas por outro lado, e esse é o caminho que quero seguir no episódio de hoje, para além de reconhecer essa distinção entre o que é religião e o que é folclore – esse termo que na  vulgata parece sempre ligado a algo menor – é importante perceber que independentemente do que diga a religião, seus mestres ou livros, nela sempre haverá elementos folclóricos. No caso do catolicismo, pensem por exemplo nas simpatias e benzimentos que já falamos por aqui. Muitas vezes essas são práticas condenadas oficialmente, mas elas persistem. Por que para o povo simplesmente não interessa. Eles têm suas próprias práticas, seus próprios santos e, é claro, seus próprios contos que, eu garanto para você, não se encontra em nenhuma bíblia.

Por exemplo: todo mundo conhece a história dos três reis magos, que levaram os presentes a Jesus menino: Gaspar o ouro, Belchior incenso e Balthazar a mirra, certo? Bem, mais ou menos. Na Bíblia não se fala que eram três, muito menos reis, e os nomes só foram atribuídos no século IX, por Agnello de Ravena. Outro detalhe que surge apenas na idade média é a etnia dos magos, e se tornou tradição desde essa época representar Balthazar como negro nas pinturas. Isso inspira uma série de narrativas que vão entrecruzar por um lado o racismo vigente naquelas sociedades e por outra uma moralidade muito particular desse tipo de conto.

Uma história bastante frequente dizia que Gaspar e Belchior não queriam a companhia do Rei Negro, e que tentaram passar a perna nele para chegar primeiro a Jesus. Balthazar acaba chegando primeiro e recebe, em agradecimento, uma coroa mágica. Com inveja, os dois reis fazem tanto, mas tanto deboche, que Balthazar termina por lançar a coroa no rio para ser deixado em paz. Ao final, Deus se apieda do verdadeiro bullying que o rei passava e o presenteia com uma poderosa magia da juventude.

O nascimento de Jesus, esse evento para o qual os magos se encaminhavam, inspirou diversas histórias folclóricas. Eu lembro do meu avô que contava: quando deu meia noite, do dia 24 para o 25 de dezembro, o galo cantou: Jesus nasceu, jesus nasceu! A vaca quis saber: aoooonde? E a ovelha respondeu: em Beléeem. O que meu avô esquecia de contar é o restante dessa história, que encontrei numa recolha feita pelo folclorista Oswaldo Elias Xidieh. É que o porco, desconfiado, roncou: não creio, não creio, não creio! E é por isso que o porco virou animal amaldiçoado por Deus. Outra versão diz que quem duvidou foi a Cabra, dizendo “Mente, Mente!”. Por isso que a ovelha morre sem dar um pio e a cabra faz uma algazarra danada.

Histórias de maldições e bençãos, inclusive, permeiam toda a vida da sagrada família. Em Portugal, dizia-se que quando jesus nasceu estava com muito frio. A vaca que estava por perto chegava bem pertinho dele e bufava, esquentando a criança. Já a mula, ao invés de dar calor, destapava-o com a ferradura. Assim Nossa Senhora abençoou a vaca e amaldiçoou a mula, que por isso nunca mais pode ter filhotes. Disse assim:

“Eu te amaldiçoo, ó mula

Que não tenhas cria alguma

E alguma que tu tiveres

Dela não gozes ventura.”

Uma narrativa famosa do Vale do Ribeira, no interior de São Paulo, também fala do frio de jesus. Foi então que chegou o gambá e pediu para que colocassem fogo no seu rabo, para assim poder aquecer a criança. É por isso que o nosso gambá tem o rabo pelado, diferente do cangambá, que tem o rabo peludo, todo preto e branco. Nos presépios de natal da região, muitas vezes se encontra um gambazinho no meio dos animais da fazenda.

Essa não é a única vez em que o gambá aparece relacionado a Jesus. Outra história conhecida fala que quando fugiam dos soldados de Herodes, Maria acabou ficando sem leite para amamentar seu filho. Ela então pediu para a burra, que negou e por isso foi amaldiçoada. Foi pedindo, pedindo, e ninguém lhe ajudava. Até que chegou a gambá fêmea e se ofereceu para dar de mamar para Jesus. Pois o bebê mamou até se fartar na gambazinha e por isso ela recebeu uma benção: não sofreria mais com as dores do parto. Nem ela, nem a sua comadre Mulita – uma espécie de tatu fêmea.

A oralidade espalha as histórias e cria paralelos muito interessantes. É uma prática comum entre as parteiras usar pele ou banha de gambá para ajudar a mulher a ter filho sem dor, numa relação de magia simpática com a história do animal. Falei disso aqui inclusive no podcast com a Jaçanã, a Parteira Pataxó. Acontece que existe um outro animal que por vezes é usado da mesma maneira: a raposa. E há uma explicação! Muitas vezes o gambá é chamado de raposa pelo povo. E no Rio Grande do Sul e países da bacia platina o cangambá recebe o nome de Zorrilho, que significa raposinha. A aproximação destes dois animais no imaginário fez com que uma benção valesse também para o outro.

O ciclo da fuga da família é cheio de histórias parecidas. Dizem, por exemplo, que José ia jogando gravetos para tampar os rastros do burro para confundir os perseguidores. Só que o porco e a galinha, curiosos, ficaram remexendo nos gravetos e estragaram a cobertura. É por isso que até hoje eles só comem porcaria. O Bem-Te-Vi e o Quero Quero são pássaros que ficava alertando os soldados onde estava a criança, e por isso são animais que nunca descansam.  Karl von den Steiner, no Mato Grosso, diz que a maldição do Bem-Te-Vi foi deixar de ser um animal feito de carne e passar a ser todo feito de vermes! Até as plantas receberam castigos: o pinheiro levantou seus galhos para revelar Maria, e por isso todos os seus galhos são para cima até hoje e o relâmpago é seu maior inimigo.

Com Jesus adulto, ele é que passa a ser o grande amaldiçoador dos que o desrespeitam. Eu conto em tudo que é lugar a maravilhosa história da origem do linguado, sabe, aquele peixe que tem o rosto de lado. Então, Jesus estava procurando uma estrada para seguir e perguntou para o linguado que estava ali na beira da água. “Linguado, você sabe onde fica a cidade tal?”. E o peixe, muito sim senhor, responde: “Ô LiNgUaDo, VoCê SaBe OnDe FiCa A cIdAdE tAl?”, remedando o messias! Pois eis que Jesus lhe prega um belo de um tapa na cara tão forte, mas tão forte, que o peixe ficou para sempre com a cara torta. Não é a toa que em muitas cidades do Nordeste o linguado é conhecido como Peixe Tapa. Foi pelo belíssimo tapa de jesus.

Essa e outras histórias que eu conto aqui para vocês foram retiradas de vários livros, mas especialmente do Oswaldo Elias Xidieh que foi um grande compilador de narrativas pias populares. E nelas você encontra inúmeras histórias do jesus mendicante, que aparece nas casas fingindo de velho para testar a hospitalidade das pessoas. O Xidieh fez essa recolha entre as décadas de 30 e 50, especialmente no interior de São Paulo, e ele notava uma recorrência muito grande nesses temas: a família que tinha pouco mas repartia, o rico que tinha muito e negava, o guloso que comia demais em oposição ao que comia o suficiente para fazer a comida dar para todos. O motivo, refletia ele, é que aquela região vivenciava tanto a pobreza e a escassez, de uma terra abandonada pelo êxodo rural, que a moralidade dos contos era necessária para compartilhar os valores importantes para aquele momento.


Um bom exemplo desses relacionados a comida: Jesus era conhecido pelo milagre da multiplicação dos pães, correto? Pois dizem que uma vez ele se encaminhava para um local onde havia sete homens fingindo passar fome para poder encher mais a barriga. Deus distribui para eles os pães, mas depois alerta: o pão é só para os famintos. Assim que acabaram de comer, todos foram ao chão e morreram. Não há misericórdia para quem coloca em risco a comunidade.

Outra situação que espelha muito a penúria local: Jesus veio pedir comida na casa de uma mulher muito pobre, que havia colocado uma fornada de biscoitos no forno. Com vergonha ela explica: não era doce de verdade, era bosta de vaca. As crianças choravam tanto de fome que para enganar a barriga ela colocou esterco para assar. Jesus manda servir mesmo assim, e o biscoito vira doce de verdade. Quando li essa história lembrei na hora da minha avó contando de uma conhecida que serviu urina com água para os filhos que choravam querendo provar refrigerante pela primeira vez. Não duvido que esse preparado realmente tenha sido feito.

A humildade também é um mote antigo nos contos populares cristãos. Data da idade média a história do ferreiro que se dizia ser o maior do mundo em sua profissão, até que chega Jesus, disfarçado, e pede para usar a forja emprestado para corrigir um problema do cavalo. Jesus então arranca uma a uma as pernas do eu cavalo, lança na forja, martela na bigorna e as prende novamente ao animal que sai andando como novo. Embasbacado, o ferreiro fica encucado com a ideia. Quando chega um novo cliente ele mata o cavalo, esquarteja, joga na fogueira e, e claro, fica devendo uma nova montaria.

Outra história que tem tudo a ver com o contexto que a região vivia. Jesus, depois do pedido de um homem rico que dele duvidava, cura a distância uma deficiente física. Xidieh conta que as curas e benzimentos à distância eram uma prática muito comum na região, quando não havia igrejas em todas as cidades. O que acontecia era que até mesmo padres, a pedido dos fiéis, estendiam a mão na direção da casa da pessoa e dali mesmo batizavam ou faziam a extrema unção. A mira tinha que ser boa pra não dar problema!

Também nos contos se encontram benzimentos e simpatias que teriam vindo diretamente de Cristo. Por exemplo, o uso de uma vassoura de guanxuma pra espantar a doença de uma casa. Ou o banho com sangue de galinha preta para curar os morféticos. Sangue de bicho inclusive tem muita relação com a magia simpática. Usar o de lagarto, por exemplo, dizem que cura pereba, o de capivara sara reumatismo e o de morcego é bom para as vistas. Tudo sempre acompanhado de sua devida oração.

Mas vocês sabem o que dizem que é poderoso mesmo? A flor do maracujá. Diem que ela ficou manchada de vermelho, desse jeito, por conta do sangue de jesus que escorreu quando ele foi crucificado. Por isso que em muitos lugares ela é conhecida também como a Flor da Paixão, em referência à paixão de Cristo. O mesmo sangue também espirrou nos olhos do soldado que por último cravou a lança no peito de Jesus para ver se ele realmente tinha morrido. O soldado havia ficado cego, mas com o sangue, finalmente voltou a enxergar. Seu nome era Longinus, ou, como ficou conhecido por aqui, São Longuinho. Um dia eu faço um programa só com o folclore dos santos, pode esperar.

Se encontramos nos contos populares um Jesus, digamos, mais implacável, boa parte do lado humano dessas histórias cabe a figura de um curioso coadjuvante: o apóstolo Pedro. É ele quem personifica todos os nossos defeitos: é mentiroso, preguiçoso, guloso e até mesmo pervertido. Alguns pesquisadores traçam até mesmo uma relação entre as histórias do apóstolo com as de Pedro Malazartes, um dos grandes tricksters do nosso folclore. Dizem que quando Jesus chamou Pedro para deixar de ser um pescador de peixes para pescar homens, o futuro santo foi na expectativa de viver em festa. E não foi bem assim que aconteceu. Separei três histórias aqui que mostram bem como era essa relação.

Certa vez, Pedro e Jesus estavam em uma festa quando a comida acabou. O messias pediu então para que todos pegassem uma pedra do chão. Pedro, preguiçoso, quis evitar a fadiga e pegou uma pedrinha de nada. Então Jesus fez um milagre e todas as pedras viraram pães deliciosos. Pedro, só com uma migalhazinha, terminou a noite passando fome. Mais tarde, Jesus pediu que todos pegassem um graveto no chão, que ele iria transformar em carne. Pedro, guloso que só, foi lá e arrancou uma árvore! A festa se encerrou com todos comendo felizes e Pedro passando fome. É que sua árvore acabou virando um boi inteiro – e vivo!

Jesus, ao que parece, gostava de aprontar das suas com Pedro. Uma noite pediram os dois pouso em uma casa onde vários viajantes vinham descansar. Jesus e Pedro se botaram a rezar em voz alta tão, alto, mas tão alto que um pessoal do quarto ao lado se estressou.

— Calem a boca!

O messias mandou continuarem. E reza, reza, reza. Logo tinha gente batendo na porta do quarto. Jesus mandou Pedro atender e tão logo abriu recebeu uma bela camassada de pau. Todo estropiado, Pedro volta para junto de seu companheiro que sugere: vamos começar a rezar de novo! E reza, reza, reza, e daqui um pouco bateram na porta de novo. Pedro se fez de salame, então Jesus disse que abriria a porta dessa vez. Assim que abriu, tão barbudo e mendigo quanto o outro, os homens gritaram:

— Você já apanhou! Agora é seu companheiro que vai levar tunda!

E dá-lhe surra no pobre apóstolo.

Mas para mim, a melhor história de Jesus e Pedro é essa que eu deixei para o final. Certa vez, os dois bateram na casa de um homem pedindo abrigo. Ele lhes ofereceu um quarto, mas alertou: não posso dar muita atenção, minha mãe está muito doente. Morre, não morre. Tudo bem. No meio da noite, Jesus pede ao apóstolo que se levante e vá lá fora ariar um tacho bem grande. Pedro vai reclamando, cuspindo marimbondo, mas Jesus pede silêncio. Então, pede que ele encha o tacho de água e deixe ferver. Por fim, que trouxesse a mulher doente até eles, e sem questionar! Assim que ela chega, Jesus e Pedro matam a velha, colocam no tacho e deixam cozinhar até virar angu. Depois, Jesus espalha o angu sobre a mesa, cobre com um pano e dá uma última ordem: Pedro deve ir dormir na cama da mulher para que, se o filho acordar no meio da noite, não ficar com medo ao encontrar a cama vazia.

Morrendo de medo de ser descoberto, Pedro levanta de madrugada e vai sondar Jesus. O messias está roncando, dormindo tranquilamente. Pé ante pé ele vai até a mesa com o tacho e nota uma forma estranha embaixo da toalha que estaria cobrindo o angu. Quando tira o pano, a surpresa! A velha doente e morta havia sido revivida, e como uma linda e jovem mulher!

Pedro não perdeu tempo. Já estava tirando a roupa para “se deitar” com a mulher dormindo quando Jesus aparece e o impede. Sim, essa é nesse nível que seguem as histórias de Pedro. No dia seguinte o homem fica muito agradecido e se despede dos dois.

Mas não pense que acaba assim não. Pedro, incomodado por não ter conseguido estuprar a mulher que queria, resolve engambelar Jesus. Sugere que eles se separem para poder espalhar melhor a palavra do Senhor. Assim que se vê livre, começa a perambular pela estrada até achar uma velha andarilha toda corcunda. Pedro a mata, ferve no tacho até virar angu, cobre com a toalha e… nada! A mulher realmente tinha morrido. Aí não teve saída, pediu valei-me nosso senhor Jesus cristo, e o messias veio ao seu encontro ressuscitar a pobre velha.

Depois de ouvir um sermão enorme, Jesus estava para ir embora novamente quando Pedro pede um novo favor. Jesus lhe concede três desejos, e assim ele pede: um baralho que nunca perca no carteado, um saco com fundo infinito e um banquinho que ninguém possa tirar aquele que nele estiver sentado – nem mesmo Deus. O santo parte então para o Inferno e disputa uma partida de cartas com o diabo em troca das almas do inferno. A cada partida ganha com o baralho milagroso, uma alma ia para seu saco infinito. Quando já tinha rapelado o demônio, Pedro voltou para o céu para levar as almas que havia recuperado para o paraíso. Acontece que Jesus, sentindo o cheiro de carniça das almas, tratou de expulsar Pedro dali com aquela fedentina.

– Claro, vou embora, deixa eu só fazer uma coisa!

Mais que depressa o santo se sentou no banquinho que havia pedido de presente e pronto, desafiou. Daqui ninguém me tira. Era esse o combinado.

Furioso, Jesus lançou mais uma de suas maldições. São Pedro realmente não podia ser tirado do céu, mas também agora já não podia mais sair. E foi assim que Pedro virou o guardião dos portões do Paraíso e acabaram suas aventuras pela terra.

7 Respostas para “PORANDUBA 64 – Jesus no Folclore

  1. Olá Andriolli
    Sensacional episódio ainda mais à luz dos recentes eventos de censura ao (pessimo, no ponto de vista de qualidade) episodio do Porta dos Fundos.
    Em geral eu ouço os podcasts recomendados (foi assim qeu conheci o Poranduba através do Mitografias) e adivinhe só: O ItauCultural NÃO é um podcast já que o conceito básico de ter os episódios disponibilizados por um feed RSS não está presente. Nem mesmo via spotify os episódios estão sendo distribuidos. Eu mandei mesagem para eles mas certamente será ignorada. Uma pena já que a premissa parece ser muito boa.
    Grande abraço e parabéns pelo excelent podcast

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    • Boa tarde, Marcelo! Fico muito feliz que tenha curtido o episódio. O gancho do ataque ao Porta me fez ir a fundo para mostrar que há mais histórias possíveis do que a sisudez que eles defendem. Quanto ao Itaú Cultural, procure pelo nome dos programas 🙂 Acabei de testar no spotify (só com itaú cultural já aparecem) e no google podcasts e encontrei lá o feed do Mekukradja, do Toca Brasil e do Escritores-Leitores, direitinho. Abraços!

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      • Valeu Andriolli
        Acredito que seja algo relativo ao podcast addict então. Não uso o Spotify mas outros podcasts que estão lá são carregados sem problemas no meu agregador. De qualquer forma agradeço a atenção.
        Grande abraço

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  2. Olha só Andriolli
    Acabei até esquecendo de outro detalhe: Minha mãe nasceu e cresceu no Vale do Paraíba (Sete Barras) e sempre nos contou essas estórias das artes de Pedro e Jesus. Uma outra variação dos rastros de Jesus quando fugiam dos soldados fica por conta da curruíra que ia cobrindo os rastros deles com pequenos gravetos e por isso ela é considerada uma ave da sorte e, quem ouve seu canto é abençoado.

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