Um Saci Centenário #Saci100

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Arte: José Luiz Ohi

Texto da Revista Saci Pererê – 100 anos do Inquérito. Clique aqui para ler e baixar.

Por Carlos Carvalho Cavalheiro

O ano de 2017 marca o centenário de uma inusitada publicação gestada pelo entusiasmo do escritor Monteiro Lobato. Trata-se do afamado livro O Sacy Pererê – Resultado de um Inquérito, que surgiu em 1917 com a proposta apresentada aos leitores do jornal O Estado de S.Paulo. As colaborações superaram as expectativas e, um ano depois, em 1918, foram compiladas em forma de livro.

Há uma ou outra intervenção de Lobato no livro, mas basicamente são coletâneas de cartas de leitores enviadas ao jornal. A obra tornou-se referência, posteriormente, pela riqueza de informações que trouxe sobre o mito do Saci-Pererê. Percebe-se, pela leitura do Inquérito, que a figura do Saci não apresentava uma uniformidade, variando de lugar para lugar, de região para região. A capa do livro, por exemplo, apresenta um Saci com porrete na mão e chifres na testa.

Adelino Brandão, no artigo Presença do Saci, publicado na Revista do Arquivo Municipal em 1971, adverte que a figura do Saci, “estilizada na figura do pretinho unípede, que fuma cachimbo, usa um barrete vermelho e se diverte dando nó na crina dos cavalos”. resultou de um processo de muitas metamorfoses e transformações.
Saci com duas pernas, Saci branco, Saci indígena… Atualmente o pesquisador e escritor Olívio Jekupé tem se esforçado em mostrar que a origem do nosso Saci está entre os indígenas brasileiros. Maria Luíza Campos Aroeira, no livro Minhas Atividades já dizia que o Saci era fruto da imaginação das três principais etnias formadoras do povo brasileiro.

Por outro lado, José Carlos Rossato, no livro Saci, chama a atenção para o fato de que “primitivamente o Saci surgiu como um mito ornitomórfico, isto é, um pássaro encantado”. O mesmo autor apresenta uma lista de seres fantásticos de diversos países e que são correspondentes ou análogos ao nosso Saci: Gremlim, nos Estados Unidos; Fradinho da Mão Furada em Portugal; Curilo na Inglaterra; Kobolde na Alemanha.

Curiosamente, a historiadora Ecléa Bosi recolheu uma informação interessante. Um de seus entrevistados para a sua tese de doutorado, que se converteu no livro Memória e Sociedade – Lembranças de Velhos, apresenta o seguinte testemunho: “A respeito do meu pai tenho que contar que ele viu o saci. O saci brasileiro tem uma perna só, mas o saci italiano tem duas pernas. Chamava-se, pelo dialeto que falávamos em casa, scazzamuriddu, parece-me que quer dizer aquele que salta muros. Era pequeno, baixinho, arteiro, sabia onde estavam os tesouros e os dava para quem ficasse com o chapéu dele. Minha mãe dizia: ‘Você é tão bobo que deixou o saci fugir com o boné’”.

Pois é. Passados cem anos ainda nos deparamos com o Saci metamorfoseado, nos confundindo e logrando, realizando as suas artimanhas para não ser capturado pela nossa razão, cujo únicointento é destruir o que de belo e humano a imaginação criou.

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Carlos Cavalheiro é historiador, teólogo, educador e saciólogo de São Paulo/SP, responsável pela tentativa de refazer o Inquérito sobre o Saci em 2006.

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