[#Saci100] Anderson Barboza Ferreira – Assovio Distante

16129476_10211966306696298_783425454_oTexto da Revista Saci Pererê – 100 anos do Inquérito. Clique aqui para ler e baixar.

Por Anderson Barboza Ferreira

Há quem diga que o Saci se limita apenas as áreas de mata e fazenda. Mas não se engane, as vezes nosso duende e trickster brasileiro costuma aparecer nas áreas urbanas. Nasci em São Paulo, capital e lá já ouvia muitas histórias sobre a figura de um garoto negro, com uma perna só, gorro e olhos vermelhos, que aparecia em redemoinhos, dava uma coça em malcriados ou simplesmente assustava as pessoas. Em sua maioria as histórias falavam de cidades do interior, mas algumas falavam de acontecimentos ali mesmo na capital.

Me mudei para capital de Mato Grosso do Sul, e claro os contos se intensificaram ao chegar aqui, afinal se trata da região de serrado, repleta de chácaras fazendas e áreas verdes. Particularmente o bairro onde moro até hoje é conhecido por ter sido construído em uma área de fazenda. E é aqui que entra este conto.

Quando no início da adolescência, mais ou menos uns 12 ou 13 anos de idade, costumava ir muito na casa do meu vizinho, que morava na mesma rua e era meu xará. Tínhamos um outro amigo, o Paulo, que já não se encontra entre nós. Por algum motivo que não me lembro, talvez por ouvir histórias de um tio meu, ou por ter assistido algo na TV, estávamos curiosos por ouvir lendas sobre o Saci.

A mãe do meu xará resolveu então contar algumas coisas sobre o diabrete de uma perna só. Dizia que quando criança, seu avô tinha o costume de deixar fumo sobre um toco perto da porteira da fazenda onde moravam. Que antes de começar a fazer isso, sempre sumia açúcar na cozinha, os cavalos amanheciam com as crinas trançadas entre outras travessuras. Então o seu avô resolveu fazer um pacto com a criatura para que pudesse ter paz na fazenda e ainda conseguir algumas coisas, como encontrar bons locais de caça, e que as plantações estivessem sempre livres de pragas e ladrões. Ela dizia que seu avô nunca falhou com o pacto, sempre deixando fumo para o Saci. Mas que as pessoas que falhavam acabavam levando uma surra de chicote, ou as brincadeiras do duende voltavam a acontecer na fazenda.

Entre as histórias ficou um detalhe muito importante, sobre o assovio deste ser sobrenatural. Costuma ser um assovio duplo tipo um Fu-fuuu, repetidas vezes, e que possuía uma característica bem estranha. Toda vez que se ouvia o assovio vindo de perto, ele estaria bem longe, mas quando se ouvia o assovio bem distante ele estaria bem próximo.

Já eram umas 20h quando as histórias terminaram, então resolvemos levar o Paulo para casa, ficava no mesmo bairro, mas passávamos por uma pequena estradinha de terra na época, ao voltarmos eu e meu xará ouvimos um assovio que parecia bem distante. Olhamos um para o outro e ouvimos novamente. Parecia vir de mais longe…

— Lembra do que minha mãe falou? – disse meu amigo.

Eu lembrava. Posso dizer com toda certeza que nunca corremos tanto como naquele dia.

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Anderson Ferreira é ilustrador em Campo Grande/MS

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