
Iara – Fragusto
Por Eustórgio Wanderley
Publicado em O Malho
Data: 14/11/1935
Nas noites silenciosas em que o seu colomy, de olhos muito abertos, deitado no giráu, não tinha sono, a índia lhe contava a história da formosa uyara que morava no fundo do rio.
— A uyara, meu filho, tem a pele mais branca do que a polpa da mandioca. Seus lábios são vermelhos como a pitanga madura e doce como o favo de jati.
Seu sorriso, porém, é venenoso como o suco da manipuera e seus olhos, da cor do céu, são falsos como o perau que se esconde no fundo da lagoa tranquila.
Seu corpo é esbelto e leve como o da garça branca de pés róseos, da cor dos pés pequeninos da uyara enganadora.
Quando cresceres, meu menino, foge da uyara que canta uma canção suave como a voz do sabiá da mata para atrair ao seu reino, no fundo do rio, os moços fortes e valentes e afogá-los ali na carícia dos seus braços que se transformam em duas sucuriús terríveis de força que estrangulam e matam.
Foge, filho meu, dos olhos traiçoeiros, dos lábios venenosos e dos braços matadores da linda uyara que mora no fundo do rio. Que aparece, às vezes cantando como o sabiá da mata para atrair os moços fortes e valentes ao seu palácio encantado na gruta verde-escuro do fundo do igarapé…
O menino adormeceu e sonhou com a linda uyara dos olhos cor do céu e pele mais branca do que a polpa da mandioca.
Alguns anos mais tarde, deixando na mata virgem a taba dos seus pais, veio trabalhar à margem do Rio-Mar.
Era um homem forte e destemido. Como os da sua raça, nadava agilmente, vencendo a correnteza das águas, rio-acima ou se deixando levar ao sabor das maretas, quando descia o rio.
Certa vez, passando na sua “Montaria” em frente ao seringal dos americanos, viu na ribanceira uma criatura de pele tão branca como os capulhos de algodão e com os olhos cor do céu.
Cantava, sorrindo, uma canção maviosa e sua voz tinha a suavidade do canto do sabiá.
— É a uyara; pensou ele. E muitas vezes voltou a passar por ali atraido pelo encanto daqueles olhos caros, pelo sorriso daqueles lábios róseos e pelo sortilégio daquela voz de sonho.
Quando uma tarde passou, mais uma vez, em frente do seringal dos americanos, não viu na ribanceira a criatura que o enfeitiçara, nem ouviu sua voz maviosa entoando, como sempre, uma canção.
Seguiu na sua “montaria”…
Mais além, entretanto, na volta de um igarapé, alguém se debatia na água.
Aproximou-se e reconheceu dois olhos azuis cheios de aflição, dois lábios que se descoravam e onde vinha morrer um grito de socorro. Atirou-se, resoluto, à água para salvar quem parecia prestes a mergulhar de vez.
Sentiu, então, que dois braços o enlaçavam como se fossem duas sucuriús, brancas, brancas da cor da espuma.
Ao princípio, por um natural instinto, procurou resistir.
Depois, deixou-se levar na correnteza das águas…
— Era a uyara; pensava o índio. A uyara que o arrastava para o seu palácio encantado no fundo do rio, onde ele iria fitar seus olhos cor de céu e beijar, talvez, seus lábios vermelhos como pitanga madura e doces como o favo de jaty.