[#Saci100] Jorge Alexandre – O Bambuzal

Texto da Revista Saci Pererê – 100 anos do Inquérito. Clique aqui para ler e baixar.

Por Jorge Alexandre

Saci - Virtual BarataEm frente a casa onde eu morava, havia um terreno com um pequeno bambuzal. Alguns moradores não gostavam de passar por ali, mas aparentemente não havia motivo para isso. Algumas pessoas sequer sabiam por que tinham medo daquele local.

Realmente, algumas vezes sentíamos sensações estranhas. Não raro sentíamos um vento circulando entre nós, apesar das árvores em volta nem se mexerem. Nem ao menos uma folha caia ao chão. Mas nós já estávamos tão acostumados que só percebíamos esses fatos quando alguém de fora chegava ao local e estranhava. Não raros casos, também, a pessoa borrava-se de medo. Achávamos isso muito engraçado.

O terreno pertencia a uma senhora muito conhecida no bairro por ser uma pessoa boa e generosa. Nunca houve motivo ou conversa que a associasse a qualquer fato estranho.

Em determinada noite, houve uma ventania como nunca tínhamos visto antes. Era uma noite muito escura. O vento entrava nas casas através das portas e janelas. Não importava se estavam trancadas, elas abriam como que por uma palavra mágica. Simplesmente abriam.

Este vento invadia as casas, derrubando tudo que encontrava pela frente, misturando e espalhando papéis, documentos, roupas e lençóis. Curioso é que parecia desviar das pessoas. Era somente bagunça e traquinagem o que ocorria por todo o lugar.

Corremos todos pra rua a fim de saber o que realmente estava acontecendo quando alguém gritou: “Olhem aquilo! O que é isso? Senhor, meu Deus, olhai por nós!”.

No terreno dos bambuzais, apesar de toda aquela escuridão, em que não se via a ponta do próprio nariz, era possível ver uma quantidade imensa de pequenos redemoinhos, que aumentavam cada vez mais em número, força e velocidade.

Os redemoinhos formavam um tipo de bloco no chão. Pareciam dezenas de piões girando lado a lado, todos ao mesmo tempo. Algumas pessoas correram desesperadas. Como explicar aquilo? O pior ainda estava por vir, e poucos puderam contar a história depois. Mas quem acreditaria?

Quase que petrificados, ninguém se mexia. Até que, sem motivo, os redemoinhos começaram a diminuir de velocidade. Ao mesmo tempo, ouvimos barulhos de vidro quebrando. O som tornava-se cada vez mais alto e parecia interminável. Estariam as janelas sendo destruídas pelo vento?

Conforme se ouvia o barulho de vidro quebrando, mais e mais redemoinhos perfilavam–se uns aos outros. Ao ouvir aquele que parecia o último, ficamos aliviados. Porém, ao olhar para o bambuzal, o terror tomou conta do lugar novamente.

Centenas de pequenas sombras estavam espalhadas. Pequenos humanoides cuja silhueta conseguíamos vislumbrar apesar da escuridão. Pequenas faíscas pipocavam na noite, entre amarelos e vermelhos. Eram olhos. Olhos faiscantes.

“O que são estas coisas?”, gritou alguém. Pareciam àqueles pigmeus da África, que haviam mostrado no “Acredite Se Quiser”, só que com apenas uma perna. Logo todos entenderam. “SACI! Corram que isso é coisa do demônio! Salvem suas vidas!”. Parecia que nosso fim havia chegado.

Até que se ouviu um assobio, como que o piado de um pássaro. Ao ouvir o tal som, a velocidade dos redemoinhos, bem como a agitação dos Sacis diminuía. As janelas já não batiam tantos, os lençóis deixavam de voar pelos céus, os papéis e folhas secas que antes voavam em círculos, agora desciam ao chão em queda livre.

Quando menos se esperava, um vulto surgiu de dentro do bambuzal. Era a boa senhora, dona do terreno, que trazia em uma mão uma peneira de palha, com a cruz desenhada, e uma garrafa na outra. A sacizada deixa de nos observar, e voltou-se para a mulher, que jogou a peneira para trás e quebrou a garrafa no chão, fazendo o mesmo barulho de vidro quebrado de antes. Ouviu-se uma forte explosão, seguida de uma ventania, e um imenso redemoinho forma-se a nossa frente. A senhora gargalhou. “Vamu meus fio, é hora di parti! Tão libertos… E eu tombém”.

Quando o redemoinho gigantesco para, surge dele o maior dos sacis. Ele estende os braços e acolhe a mulher, abraçando-a. Imediatamente forma novamente o redemoinho e sobe aos céus levando a mulher junto. Centenas de outros rodamoinhos menores espalham-se pelos céus, seguindo seu líder.

No dia seguinte o filho da dona do terreno mandara cortar todo o bambuzal e cimentar o chão. Ninguém comentou nada.

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Jorge Alexandre é do Rio de Janeiro/RJ

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