Por Andriolli Costa
Na comemoração do hexa do Sport Club Internacional no Campeonato Gaúcho, a RBS exibiu a imagem de um saci branco em homenagem ao mascote do time – notadamente, o duende brasileiro. A deputada estadual Manuela D’Ávila levantou o assunto em seu Facebook. “O saci é o único mascote negro dos clubes de futebol. Porque ele ficou branco na comemoração do hexa campeonato do meu colorado?”.
Alguns usuários disseram que foi a configuração do brilho da TV – ou do filtro da captura de tela – que tornou o saci de levemente escuro em branco. De qualquer forma, o estranhamento leva a discussões sobre whitewashing – expressão relacionada ao apagamento de marcações étnicas (cabelos, olhos, feições, cor de pele) para que tudo seja representado à imagem e semelhança do branco.
Fica a pergunta : ainda é saci se for branco? Se houver referência ao gorro, a perna faltante, até que ponto a cor da pele é relevante? A resposta, ao menos para nos, é que é MUITO importante.
A essência do saci diz respeito a união das três raças formadoras da cultura brasileira. Ele surge como um duende Guarani de duas pernas e cauda. Ganha a negritude e perde uma perna por influência das Negras contadoras de histórias. Seu gorro, qual piléu romano, é símbolo de poder e magia e fruto da herança europeia.
A origem indígena e os elementos que lhe foram acrescidos (negritude, perna, gorro) mostram a dinâmica do folclore. Mas a mesma dinâmica que insere os mitos nas transformações sociais do cotidiano não apaga sua essência. E o saci é um mito de resistência, de liberdade, de deboche aos poderosos.
O branqueamento do mito gera uma conotação que vai além de sua atualização. Evoca apropriação e dominação, acabando com a síntese de mestiçagem que torna o saci tão identificável em todo o Brasil. Ignorar isso e torná-lo todo branco é ignorar nossa própria história.
Vale lembrar que várias versões relacionam a falta de perna do saci como lastro direto da escravidão. Dizem que ele era um escravo que, ao se ver acorrentado, preferiu cortar uma das pernas e saltitar em direção da mata. É o saci como símbolo de liberdade, e sua perna ausente como a lembrança dos sacrifícios que os sacis – e, portanto, nós – tiveram que fazer para serem livres.
Existe saci para todo mundo, e de todos os tipos. Até os albinos! Mas a raiz, essa nunca deve ser esquecida.
Veja alguns tweets sobre o assunto. Leia mais aqui.
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